terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A Constituição de 1824

INTRODUÇÃO


Em 1808 a família real desembarca no Brasil deixando em Portugal uma crise institucional onde Napoleão Bonaparte ameaçava invadir o país. Trouxeram consigo 15 mil pessoas da mais alta linhagem e boa parte do tesouro português, cerca de 80 milhões de cruzados, o que equivalia à metade do dinheiro circulante no reino. Segundo alguns historiadores D. João fugiu à noite – vestido de mulher.

Exatamente no dia 8 de março de 1808, depois de passar pela Bahia chegava ao Rio de Janeiro escoltado pela proteção dos navios ingleses. A pequena corte local era habitada por pouco mais de 60 mil pessoas e com a chegada de mais 15 mil criou-se uma superpopulação e a habitação de todos foi o primeiro problema enfrentado pelo imperador. Diante disso a corte ocupou vários prédios particulares sem efetuar qualquer tipo de pagamento.

Durante sua estada no Brasil D. João publicou decretos, exterminou índios, entre outros atos prejudiciais ao novo império. Contudo depois da expulsão de Napoleão Bonaparte de Portugal os políticos portugueses exigiram a sua volta ao país de origem, D. João acabou cedendo e retornou a Portugal.

Ficando Pedro I no Brasil, logo este foi aclamado Imperador, casou-se posteriormente com a imperatriz Leopoldina, a qual estava interinamente no cargo de Regente do Brasil enquanto Pedro fazia uma viagem a São Paulo. Foi de Leopoldina a decisão de convocar uma sessão extraordinária e determinou junto com os ministros a separação definitiva entre Brasil e Portugal. Então que um mensageiro levou uma carta a D. Pedro I narrando as notícias e a decisão tomada na corte. A independência do Brasil estava declarada às 16h30. do dia 7 de setembro de 1822.
Com advento da proclamação da Independência, naturalmente ocorreu a necessidade de uma convocação constituinte que banhada por idéias liberais surge a Constituição de 1824.


A CONSTITUIÇÃO NO CONTEXTO DA ÉPOCA

O Brasil, de modo diverso a outros países não se tornou República ao proclamar sua Independência. Vê-se a figura do monarca como uma proteção assegurando o processo de separação com o mínimo de violência possível, sendo esse um dos motivos de incontáveis polêmicas na fase de construção de sua Constituição. A tentativa de nomear Federação ao novo Estado foi interpretada como demasiada perigosa pelos conservadores; seno esta abolida e passando a redação do texto a trazer o termo província.

Constava já em 1824 o sistema bicameral com a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Senadores, formando ambas a Assembléia Geral. A Câmara dos Deputados era eletiva e temporária ao passo que a Câmara dos Senadores era vitalícia.

O sistema de poder era dividido em quatro esferas: Executivo, Legislativo, Judicial e o Moderador, este último representado pelo Imperador sendo a chave e o centro de toda organização política. Temos que elencar ainda no que tange o Imperador sua pessoa era inviolável e sagrada, não seno possível imputar-lhe responsabilidade alguma.

O poder Moderador dentre suas atribuições e competências tinha autonomia para: nomear um terço dos senadores, convocar assembléia geral em caráter extraordinário, sancionar decretos e resoluções da Assembléia Geral, nomear e demitir ministros, suspender magistrados, conceder anistia, entre outras mais.

Ao outorgar a Constituição Política do Império do Brasil D. Pedro I reservou para si os direitos acima de todos, e se avaliarmos as condições em que ela foi criada, era por demais arriscado passar pela transição recente e conferir poderes que não pudessem ser destituídos em um novo sistema de governo.

“A primeira Constituição brasileira nascia de cima para baixo imposta pelo rei ao povo, embora devamos entender por povo a minoria de brancos e mestiços que votava e que de algum modo tinha participação na vida política.”[1]

Na citação acima vemos que existia uma grande parcela de indivíduos à margem da vida pública, não se admitia escravos, índios e outros que não os de interesse do Império. É nessa política segregacionista que as normas constitucionais apararam-se para a sua construção, visando o bem do Imperador e dos seus.



CARACTERÍSTICAS DA CONSTITUIÇÃO DE 1824

A Constituição de 1824 têm em suas características a seguinte qualificação: outorgada, poder constituinte originário, antidemocrática, semi-rígida, social.

Outorgada: imposta ao modo do Imperador que dissolveu a Constituinte em 1823 por entender que a Constituição a ser criada não estava a seu contento

Poder Constituinte Originário: a Constituinte criada para a elaboração da Carta magna de 1824 era inicial e não oriunda de qualquer outra, mesmo que nomeada pelo Imperador.

Antidemocrática: como já relatamos anteriormente o segregacionismo delimitou a condição de povo e assim a Constituição não se destinava a todos. O Imperador era soberano ficando os cidadãos da corte em segundo plano. A participação dos que se podiam entender como cidadãos era limitada e não ameaçava de forma nenhuma o poder do novo império.

Semi Rígida: a constituição limitava o seu poder ao que fosse constitucional, tudo que não fosse constitucional poderia ser alterado pelas legislaturas ordinárias.

Social: a liberal declaração dos direitos individuais e sociais como saúde, ensino básico, colégios e universidades pelo império aos cidadãos, mesmo que de modo míope, ou seja, ao entendimento da época ou do Imperador trouxe um a socialização, mesmo que parcialmente eficaz a Carta de 1824.







O DIREITO E A CONSTITUIÇÃO DE 1824


Ao estudar a Constituição de 1824 e analisá-la do ponto de vista doutrinário, percebemos fundamentos do Direito embutidos em sua construção, às vezes questões básicas como delimitação de território, outras mais complexas como a presunção da inocência e a inviolabilidade de correspondência.

O título 1º versa sobre o território, forma de governo, dinastia e religião. Os três primeiros itens do título são de discussão jurídica. A religião apesar de constar no título atualmente não é matéria de forma de governo nem de estado.

O título 2º trata das disposições que conferem aos cidadãos serem brasileiros e os que perdem este direito. Dispositivo comum nas constituições ao longo do tempo até a atualidade.

O título 3º divide os poderes e confere ao Imperador e a Assembléia Geral a representação da Nação Brasileira.

O título 4º, cujo título é: Do Poder Legislativo, dispõe sobre a organização, atribuição e funcionamento deste e sua relação com poder do Imperador.

O título 5º, Do Imperador também cuida de toda parte estrutural do poder Imperial caracterizado pelo enfoque à proteção da família real desde o impedimento do imperador até a sua sucessão. Suas dotações, ministérios e força militar. Pode-se dizer que é um ordenamento sobre os poderes do regente dando provimento às ações de interesse do novo Império.

O título 6º enfoca como os anteriores o Poder Judicial. Tal qual os poderes do Imperador e do poder Legislativo, cuida da estruturação do mesmo dissertando sobre suas atribuições.

Observamos que do primeiro ao sexto título a Carta Magna de 1824 se incube de normatizar a estrutura do estado; os elementos do estado com seu povo, território, poder político, e forma de estado; organização do poder político; regime político e forma de governo.

O título 7º “DA ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA DAS PROVÍNCIAS”, discorre sobre a administração, organização, fiscalização, tributação e da ordem econômica e financeira do novo Estado.

O título 8º e último é bastante interessante por conter artigos até hoje utilizados na Constituição de 1988. Cito o exemplo o Art.179. inciso I. “Nenhum cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.”[2] Já na constituição da época princípios fundamentais, direitos e garantias fundamentais, nacionalidade, direitos políticos, ordem social começavam a emergir de forma primária, porém é de se ressaltar que o Brasil Monárquico da sua forma salvaguardava seus cidadãos da forma que lhes era possível.

CONCLUSÃO

É imperativo ao estudo de uma determinada constituição uma análise espacial do contexto político, social e cultural do Estado em que a mesma foi implantada, seja ela outorgada ou promulgada. No objeto de nosso estudo observamos uma série de fatores externos à vontade dos cidadãos trazidos pela coroa portuguesa cuja ideal de exploração das riquezas brasileiras eram o único objetivo. Os domínios do novo imperador não deveriam ser de forma alguma menores que os seus antecessores e com isso eclodiram várias revoluções no nordeste do Brasil com fins separatistas.
O novo governo, a seu modo garantiu aos cidadãos brasileiros normas quais constam até hoje em nosso ordenamento jurídico, todos os direitos sociais, privados e da dignidade da pessoa humana dependiam do poder moderador, ou seja, o Monarca era passível de desrespeitá-los a tempo e a hora que lhe conviesse.

Segundo Paulo Bonavides e Paes de Andrade: “é aquela quadra de nossa história que mais se apartou talvez da Constituição formal [...] a verdadeira Constituição Imperial não estava no texto outorgado, mas no pacto entre monarquia e escravidão.”[3]

Comparando os textos constitucionais encontramos inúmeras semelhanças com o texto atual, todavia existe uma absurda diferença na eficácia de sua aplicação. É mister salientar que a definição de cidadão da época era totalmente equivocada aos moldes atuais; escravos, índios, libertos ou mendigos não se enquadravam nos moldes constitucionais. Outras questões relativas à administração e divisão de poderes direcionam ao Imperador e sua família uma cota de poder intransponível marcando assim uma linha ditatorial. Os poderes conferidos as províncias eram frágeis à discordância Real assim o controle do novo império era absoluto.

É nesse contexto que a outorga da Constituição de 1824 aconteceu e perdurou no emaranhado de interesses de uma minoria. D. Pedro I não só proclamou a independência do Brasil por ideologia ou amor a terra, mas sim devido a pressões de Portugal e a perspectiva de acúmulo de riquezas e poder em uma nação comandada por ele mesmo.

ANÁLISE CRÍTICA

Quando fizemos uma leitura da Constituição de 1824 sem analisarmos o contexto histórico e político da época chegamos a surpreendermo-nos com o texto. Trata-se de um ordenamento jurídico consideravelmente adequado para o momento. Entretanto ao relacionarmos os fatos e acontecimentos à referida Carta Magna nos deparamos com um distanciamento imenso entre as normas e suas aplicações.

Outro fator preponderante analisado foi todo o processo constituinte, que se deu de forma impositiva cuja preocupação inicial era o bem estar da realeza. Um conjunto de interesses dos nobres que vieram a sacrificar os brasileiros que aqui já estavam e os nativos indígenas. D. Pedro I disfarçando-se de libertador de uma nação, criou para si um comércio paralelo ao de Portugal.

A outorga da constituição de 1824 normatizou todos os seus interesses deixando os cidadãos em segundo plano e os não – cidadãos em plano algum. Podemos avaliar por analogia a Independência do Brasil como uma dissolução societária empresarial onde cada um dos proprietários permaneceu com sua parte.

Separamos sim de Portugal em 1822, contudo melhorias sucintas foram notadas. A independência do Brasil foi um marco separatista para exploração de todos e de tudo em benefício próprio e não de outro país. D. Pedro I criou um novo Estado com características muito semelhantes ao anterior, os interesses de Portugal transferiram-se para nosso novo governante mantendo o status quo necessário com a constituição de 1824 outorgada a seu critério.





BIBLIOGRAFIA



CARVALHO, Kildare Gonçalves. DIREITO CONSTITUCIONAL: Teoria do Estado e da Constituição Direito Constitucional Positivo. 13ªed, Belo Horizonte: editora Del Rey, 2007

CUNHA, Alexandre Sanches. TODAS AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS, editora Bookseller, 1ª edição, Campinas, 2001.


DUARTE, Marcelo. O GUIA DOS CURIOSOS – Brasil, 2ª ed, São Paulo: editora Cia. Das Letras, 1999












[1] CUNHA, Alexandre Sanches, “Todas as Constituições Brasileiras”, editora Bookseller, 1ª edição, Campinas, 2001.
[2] CUNHA, pág 42.
[3] CARVALHO, Kildare Gonçalves. DIREITO CONSTITUCIONAL: Teoria do Estado e da Constituição Direito Constitucional Positivo. 13ªed, Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007