sábado, 3 de janeiro de 2009

Resenha Livro - Domínio da Vida - Dworkin

RESENHA CRÍTICA

IDENTIFICAÇÃO E OBRA DO AUTOR: ( DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e outras liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)

Ronald Dworkin é um filósofo do Direito norte-americano, atualmente é professor de Jurisprudência na University College London e na New York University School of Law. Ele é conhecido por suas contribuições para a Filosofia do Direito e Filosofia Política. Sua teoria da law as integrity é uma dos principais visões contemporâneas sobre a natureza do direito. Tendo publicado obras importantes ao Direito como: Uma Questão de Princípios, O Império do Direito, entre outros, uma grande parte de suas publicações foram traduzidas para o português pela editora Martins Fontes.


RESUMO:

Domínio da Vida apresenta-nos temas polêmicos que sempre permearam não só a seara jurídica mas também a moral, científica e filosófica, envolvendo o leitor em uma trama de questionamentos constitucionais, teológicos, políticos e sociais que interligados entre si formam uma concepção dos paradigmas e suas origens.

O método usado por para abordar tais temas torna-se interessante uma vez que segundo o autor analisar questões de fora para dentro é o mesmo que aplicar aos problemas possíveis soluções. Muitas teorias são criadas da forma contrária, onde a possível solução é concebida e depois criamos problemas para testar sua aplicação.

Os temas propostos pelo autor necessitam de uma visão laica sobre o início da vida e o fim da vida. O autor promove uma discussão sobre o aborto e a eutanásia em uma sociedade (E.U.A) onde os movimentos ativistas são sempre impulsionados de forma exacerbada, investem milhões de dólares e financiam milhares de seguidores. Não poderia Dworkin escolher melhor exemplo de sociedade a ser citado no livro.

A evolução lógica do raciocínio que o livro nos permite questionarmos desde: Se o direito deve alguma vez permitir o aborto ou a eutanásia? Seguindo com questões filosóficas ou teóricas gerais, sempre defrontando estas com problemas práticos. Relacionar a vida ao sagrado, como sendo intrínseca, é o que o autor refuta em todos os seus questionamentos desmistificando uma moralização ortodoxa beirando a irracionalidade.

Dworkin trabalha com questões fundamentais como: autonomia, interesses fundamentais, equidade, ética, legislação e outras de cunho pessoal como: amor próprio, religião e comportamento. Toda essa amplitude mostrou-se necessária para entender em casos concretos selecionados pelo autor que as variáveis de comportamento devem ser respeitadas para que uma legislação seja eficaz. Domínio da Vida é um livro que remete ao leitor a análise da vida humana num modo mais racional que passional.


Apreciação Crítica

O aborto sempre foi uma prática inadmissível nas maiorias das sociedades mundiais, somente autorizado nas formas que regem a lei, ainda assim com grande rejeição por parte da comunidade religiosa. Já o movimento feminista adota a postura de autonomia sobre seu corpo, onde as mulheres decidem sobre o aborto ou não. Visões antagônicas que entram em conflito quando comparadas são estudadas e citadas na obra deste autor. Muito mais do que teoria, a vida prática trazida à tona nos mostra um mundo pluralista e é neste mundo que Dworkin lança seu livro ao debate.

Os conceitos que traduzem o aborto com o crime são vários, porém o livro nos mostra que é necessário saber quando uma pessoa adquire vida. A concepção é um marco inicial para muitos, para outros, inicia-se com a formação do sistema nervoso; inúmeros entendimentos sobre o início da vida constroem essa lacuna. Outro fator importante demonstrado pelo autor é a questão da escolha. Podemos definir quando uma vida já tem a capacidade de escolher se quer viver ou se têm essa vontade, enquanto essa não tiver, é definida pela genitora.

Dworkin denomina “Drama Constitucional”[1] a interpretação dada às leis que compõem uma Constituição, no caso estudado, a Constituição dos Estados Unidos. Assegurar o direito à vida sem determinar seu início para determinados fins causa uma multiplicidade de argumentações que podem não levar a nada. Contudo determinar pelo aborto ou não é uma questão jurídica, sendo assim estão impedidas as mulheres de decidirem, em outras palavras, não possuem autonomia sobre seu corpo.

“Um Compromisso absoluto com a santidade da vida domina também nossas preocupações com o outro extremo da vida: é o sustentáculo de nossas preocupações e perplexidades diante da eutanásia” [...] “Os que desejam uma morte prematura e serena para si mesmo ou para seus parentes não estão rejeitando a santidade da vida; ao contrário, acreditam que uma morte mais rápida demonstra mais respeito com a vida do que uma morte protelada[2].




A eutanásia é outro fator criador de “Dramas Constitucionais”, uma vez que está envolta nas mesmas questões do aborto. Segundo o autor: a autonomia das pessoas é cerceada às vezes por excesso de proteção, deixando de lado à vontade do indivíduo. Os direitos e garantias constitucionais não atentaram ou os legisladores foram omissos em não entender que o homem domina seu corpo enquanto vivo, guardadas devidas exceções, sendo ele proprietário de suas faculdades mentais.

Dworkin, raciocina que seja por vontade ou por necessidade é preciso acima de tudo respeito aos indivíduos e suas decisões. É necessário que também se defina: O que é vida? O que é pessoa? Para podermos limitarmo-nos a decidir apenas sobre o nosso domínio. Não devemos esquecer que qualquer decisão deve ser despida de paixões tendo o homem que usar da prudência e da racionalidade em relação à vida.

CONCLUSÃO:


Na realidade, a leitura feita por Dworkin não é uma defesa mundial do direito à eutanásia ou ao aborto, mas apenas demonstrar que dentro do cenário dos debates norte-americanos, a tradição implica uma leitura autorizativa destes.

Isso significa dizer que a história dos direitos individuais, notadamente, dos direitos sobre liberdade, concebe o direito de autodeterminação do indivíduo quer sobre sua gestação, no caso da mulher, que sobre sua vida, no caso do enfermo.

Todavia, o raciocínio que ele propõe nos autoriza a transportá-lo para o Brasil, como para qualquer outro ordenamento jurídico - guardada as definas peculiaridades, é claro.





[1] DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e outras liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
[2] Ibid., 341

A Ateologia e o Direito - Parte 1.

Introdução

Os fatos e fundamentos religiosos determinam os questionamentos referentes à existência de deus. Muitos dos acontecimentos históricos passados e atuais debitam aos seres supremos a responsabilidade, o motivo e a causa de tantas barbáries.
A transferência do poder, a submissão voluntária e a incapacidade argumentativa perante a divindade, seja ela qual for, remete o indivíduo crente à posição de terrível ignorância trazida pela convicção do improvável. O ateísmo para muitos, por implicar em uma negação dos deuses em geral é cercado de preconceitos, principalmente dos que detêm um conhecimento vulgar – senso comum – desconhecendo ou ignorando os fundamentos filosóficos/científicos da doutrina ateísta.
É mister avaliar as circunstâncias em que os deuses foram criados; avaliar os objetivos quais os diretamente privilegiados alcançaram sua amplitude social, principalmente relacionar determinismo do poder em face das crenças.







1. O ateu e a ateologia

Denomina-se ateu aquele que não crê em nada; no entanto o termo ateu designa aquele que acredita em algo que não corresponde à crença da maioria. Segundo Onfray:

“Sócrates, nesse sentido, pode ser acusado de ateísmo. O cristianismo primitivo, dentro do contexto do Império Romano, pode ser acusado de ateísmo. Espinosa pode ser acusado de ateísmo. Cabe portanto notar duas coisas: o ateísmo serve para designar quem não crê ou quem não crê tal como os outros acreditam ou como as leis da tribo ou dos Estados determinam[1]

O materialismo desenvolve-se principalmente pela lógica e a razão. O uso de argumentos axiológicos para alicerçar uma teoria religiosa é consideravelmente aceitável, contudo não se compõe de validade e eficácia. Carl Sagan afirmou de forma inteligente sobre as crenças e as evidências: “A verdade só depende de evidências. O ceticismo é justificado pela falta de evidência. As crenças são reconfortantes, dão esperança, seus adeptos resistem às explicações convencionais.”[2]
A escusa de utilizar o pensamento crítico incorre na emoção sobrepujando a razão e a ciência. A crença não admite prova, tornando uma pseudociência. A religião ignora a dedução, indução, lógica, métodos e análise, para apenas acreditar. Talvez uma das melhores frases para explicar o motivo de ser ateu veio de Charles Chaplin: “Sou ateu apenas por bom senso.”
Recentemente li um texto denominado Vírus Mentais e utilizei como fonte para esse artigo. A autoria de Richard Dawkins conota seu valor científico:
“O indivíduo fixa a fé como forte, inabalável, apesar de não ser baseada na evidência.[...] Além disso, menos são as evidências e mais virtuosa é a crença. A fé é um programa auto-sustentável porque é auto referencial.[...] Na fé, o mistério é boa coisa, devemos aderir e não explicar. Devemos aceitar o cria quod absurdum de Tertuliano, criador da Teologia.”[3]

Noto na fé um sentimento de êxtase que entorpece a psique humana. Todos os princípios do movimento humano em busca de conforto e aceitação, culminam numa prostração e no ócio mental, Freud[4] afirmava: “ser a religiosidade uma neurose comparada ao infantilismo, onde os fiéis buscam em suas crenças o mesmo esperado de uma criança ao pai.”
Dentro destes conceitos inserimos a ateologia que é simplesmente o estudo da ausência de crença à partir de comprovações científicas e filosóficas. Não devemos fechar simplesmente os olhos e “sentir deus”, seria como ignorar o raciocínio lógico em busca de uma recompensa irreal e infantil. O estudo da ateologia visa corroborar que a inexistência divina, principalmente no ateísmo positivo: onde não se acredita em deus e sim na inexistência deste mesmo deus. O movimento ateológico é composto principalmente por aqueles que se predispõe a questionar a evolução humana, não se contentando apenas com a criação do homem pelo “barro”. Temos como principais pensadores atuais da ateologia, Richard Dawkins e Michel Onfray que afirma: “a crença na inexistência de deus é a salvação para o homem viver mentalmente são, com liberdade e senso crítico.”[5] Nossa origem é muito mais complexa porque somos seres complexos e a dominação – falarei mais adiante – não deve determinar à condução dos povos por meios de coerção de condutas subjetivas determinadas pela fé.

O ateísmo jusfilosófico

Durante a Grécia antiga o Direito Natural era regido pela Dikè (deusa da justiça na mitologia grega), na qual o Nomos (as leis humanas) deveriam se adequar para ser justo. Segundo Anixmandro: “A justiça seria, então, a harmonia entre os elementos da physis (natureza) de modo a privilegiar a proporcionalidade entre eles; a justiça e o excesso.” Pitágoras de Samos definia a justiça como a harmonia entre as coisas a sua proporção, o meio termo entre dois extremos, uma falta e um excesso. Sendo o justo o proporcional que garante o equilíbrio na distribuição das coisas. Platão, enquanto idealista e racionalista tinha em seu discípulo Aristóteles um realista e empirista. Percebemos que tantos estes quantos outros naturalistas contribuíram com a virtude e equidade; conceitos utilizados ainda na atualidade. Entretanto podemos afirmar a influência divina, mesclando a razão com a justiça universal (cosmos) através dos deuses.
Os sofistas “ignoraram o céu e centraram-se na terra dirigindo suas preocupações para o homem em sociedade.” Segundo Transímaco:“A justiça é o interesse dos mais fortes. É o mais forte que diz o que é ou não justo, porque detém o poder”.
O estoicismo base do da concepção da justiça na Roma antiga, a recta rattio, trouxe a isonomia dotada de liberdades inatas e dignidade. Ulpiniano trouxe a praecepta ulpianoana – viver honestamente, não causar danos aos outros e dar a qual o que é devido. O jurista Celsus definiu o Direito como ‘a arte do bom e do eqüitativo’. Paulus já criou um escopo entre justo e moral: “Nem tudo que é lícito é justo.” Sêneca, com sua máxima representa a separação do Estado x Igreja: homo sacra res homini,(o homem é coisa sagrada para o homem). Os romanos acreditavam em um deus, neste caso Júpiter, como em Atenas, os integrantes das pólis também tinham suas crenças.
O cristianismo surge no contexto histórico trazendo já em sua criação um emaranhado de conceitos adaptados de outras religiões e da própria filosofia cujo objetivo principal é a conquista de fiéis. Inicialmente devemos ressaltar sua similaridade com o mitraísmo, religião criada em 300 a.c venerada pelos gladiadores e somente acessível aos homens, contudo o nascimento de mitra é bastante parecido com Jesus, quase idêntico. O mitraísmo não perdurou devido aos cultos serem extremamente reservados.
“As raízes do cristianismo vem do judaísmo, onde se extrai várias concepções morais e religiosas. A partir de sua disseminação pelos apóstolos, Paulo de Tarso procura na filosofia maior substância teórica para responder seus críticos e conquistar novos adeptos. Os estóicos foram imprescindíveis já que acreditavam que o deus Júpiter regia o cosmos, sendo a parte humana uma parte de deus, contendo em si, a recta rattio.”[6]

O cristianismo veio como uma doença, absorveu a razão de forma absurda. O comportamento humano passou a ser regido pela igreja. Não satisfeita em controlar os indivíduos decidiu por influenciar no Direito. Plagiando o conceito do estoicismo, o deus cristão passou a reger o universo – sendo assim o direito só podia emanar da ordem divina.
A relação do Direito com a Igreja é fundamentada em deus, porque na doutrina paulina, deus é a fonte e o fundamento de validade de todo o poder – omnis potestas a deo. O Estado subordina-se a igreja pois instituída por cristo, cujo poder é máximo, base em deus. Para Paulo de Tarso o Direito e o estado são manifestações da vontade de deus - lex naturale.
Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino foram filósofos que trabalharam a filosofia concomitantemente com a religiosidade e os conceitos de Lei Eterna Divina, Lei Positiva Divina (Os dez mandamentos),Civitas Dei, Civitas Terrena, Civitas Diaboli. Alguns conceitos vieram de Platão e Aristóteles, outros, usados somente como instrumento de dominação foram formulados pelos tais “santos”.
O objetivo de trazer os filósofos desde Platão até Tomás de Aquino nesta primeira parte deste artigo é sintetizar e contrapor os pensadores gregos e romanos e destacar como o naturalismo na Grécia não suprimiu a razão, apesar da crença. O sofismo trouxe ao homem maior domínio de modus vivendi. Os romanos anteriores ao cristianismo teorizavam através do naturalismo. Com o advento do cristianismo, a razão, a equidade, a justa medida cederam espaço ao absolutismo da igreja paulina que se ramificou dominando a sociedade o Direito e por conseqüência o Estado.
[1] ONFRAY, Michel. Tratado de ateologia. Trad. Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
[2] Nights walkers and mistery mongers: sense and nonsense at the edge of science, cap. 5 de SAGAN, Carl. Broca’s brain: reflections on the romance of science. New York: Ballantine Books, 1979.
[3] DAWKINS, Richard. Viruses of the mind. www.richarddawkins.net
[4] Gay, Peter. Freud: Uma vida para o nosso tempo. São Paulo. 2ª ed: Companhia das Letras. 1989
[5] ONFRAY, Michel. Tratado de ateologia. Trad. Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
[6] Eduardo Bedoya: Mestre em Filosofia do Direito. Professor UNIFEMM