terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Pena de Multa

PENA DE MULTA: Uma leitura dogmática e normativa da matéria.



ABORDAGEM HISTÓRICA E SEU DESENVOLVIMENTO

A pena de multa é um elemento do Direito Penal que perdura há muitos anos. Sua aplicação é encontrada nas sociedades passadas desde o século VII antes de Cristo. “Precisamente o arconte Dracon instituiu um tribunal cujo objetivo era o de substituir a vingança privada pela composição pecuniária”[1]. Por volta do séc. IV, o desaparecimento da atimia (expulsão coletiva) – sanção que acarretava terríveis conseqüências onde qualquer indivíduo podia matar aquele que havia sido expulso da comunidade e apoderar-se dos seus bens – possibilitou a individualização das penas, encontrando no sistema grego um grande assentamento, já que o conceito de sanção estava ligado à necessidade de reparação do dano causado pela conduta criminal. A partir daí ocorreu uma enorme propagação das penas de multa. A lei penal romana em seu ápice institui três espécies de pena: corporais, infamantes e as pecuniárias. A observância da condição social para aplicação das penas pecuniárias, diferenciaram o ordenamento romano dos demais, pois este trazia em seu escopo propriedades humanitaristas. Em contra partida os bárbaros germânicos trabalhavam a pena como vingança de sangue e somente com fortalecimento estatal, a pena pecuniária foi introduzida como voluntária e logo após obrigatória. Apesar da conquista, o não pagamento da pena pecuniária remetia ao direito de vingança no Direito germânico; visão contrária teve o Direito romano, prestando salvaguarda aos pobres, isentando-os do pagamento.
No Brasil desde as Ordenações Filipinas a multa já compunha o ordenamento jurídico como pena principal ou acessória, vigorando com o texto inicial até o Código de 1830. Já no primeiro Código Penal Brasileiro esboçou a aplicação do sistema de dias-multa para a pena pecuniária. O código de 1930 deu a multa um tratamento inovador, trazido nos art. 55 e art. 56. Contudo, o art.57 despreza a intenção humanística da pena obrigando o condenado a prisão cominada ao trabalho forçado. O código de 1890 – primeiro CP da República – vislumbrou a multa nos mesmos moldes de seu predecessor, visto o art. 58, direcionando o pagamento ao Thesouro Público Federal ou dos Estados. A política moderna criminal relaciona projeto de Sá Pereira como de louvável harmonia técnica e oportuna orientação científica para seus princípios, tanto que as normas atuais são uma evolução às dele.
O Código penal de 1940 veio utilizar os conceitos anteriores como base para detalhar e adequar as normas aos Princípios Fundamentais do Direito e da Pena, posteriormente em 1984 a redação de alguns artigos foram determinados pela lei nº 7.209.

CONCEITO

A pena de multa ou pecuniária, são todas aquelas que afetam o montante patrimonial do condenado. Atua diretamente sobre a riqueza do autor do delito; a diminuição de seu patrimônio é fixada proporcionalmente de acordo com o dano provocado pelo mesmo. O credor deste valor é o Estado, todavia é imperativo conservar o caráter penal, evitando o desvirtuamento para esfera financeira.
O texto legal em seu art. 49 CP, conceitua:

Art. 49 “A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença e calculada em dias multa. Será no mínimo de dez (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.”

A legalidade, a culpabilidade, a individualização da pena e o devido processo legal estão presentes nas penas de multa assim como em todo Direito Penal.

SISTEMA DIAS-MULTA

“O instituto de dias-multa resulta da multiplicação do número de dias-multa (fixados segundo a gravidade da infração) pela cifra que representa a taxa diária, variável de acordo com a situação econômica do condenado”[2]. Ou seja: é o valor financeiro determinado na sentença para cada dia de multa, sendo uma fração diária da multa no todo.
O sistema dias-multa foi criado no Brasil e não na Escandinávia como acabou por ficar reconhecido em todo mundo. É evidente o art. 55 do Código Criminal de 1830.
A aplicação dos dias-multa obedece duas fases distintas: inicialmente o juiz da sentença determina o número de dias-multa segundo a culpabilidade do réu. A posteriori, atendendo as condições econômicas do condenado arbitra o valor monetário do dia-multa. Multiplicando o número de dias da condenação pelo valor do dia-multa, encontra-se o valor da pena na íntegra que o condenado deve pagar. O art. 49 versa que o mínimo de dias-multa são dez e o máximo, trezentos e sessenta. Ainda o parágrafo primeiro do mesmo artigo diz:

Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário...

1º§. O valor do dia multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.

O legislador ao adotar os critérios da pena de multa, atentou para situação econômica do réu, um dos requisitos principais para fundamentação da sentença, assim o art. 60 confirma:

Art. 60. Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente à situação econômica do réu.

1º§. A multa pode ser aumentada no triplo, se o juiz considerar que, em virtude de situação econômica do réu é ineficaz, embora aplicada no máximo.

Utilizando os dispositivos legais acima citados, construiremos dois exemplos: onde figurará um mínimo considerável e logo após o máximo de uma pena dias-multa. Utilizaremos os critérios de cálculos do art. 49 e art. 60.
Um juiz decide em 50 o número de dias-multa. Posteriormente, como o réu é pobre, arbitra o dia-multa em um trigésimo do salário mínimo que é: R$ 14,17. Portanto sua Pena de Multa será de R$ 708,50

Em outro fato, onde o réu disponibiliza recursos em abundância, sentencia o juiz: os dias-multa serão de 360 dias, arbitra o valor em 5 salários-dia R$ 2.125,00 cujo total irá perfazer R$ 765.000,00.
Entendendo o juiz que o valor é irrisório para a fortuna do réu, aplica o critério especial alocado no art. 60, 1º§ e triplica a multa. Passando sua pena-multa de R$ 765.000,00 para R$ 2.295.000,00. Se o réu possui um patrimônio de quinhentos milhões de reais é perfeitamente aceitável tal sentença judicial.













Depois de calculada a multa e após dez dias do trânsito e julgado da sentença é admissível a execução patrimonial e a cobrança da multa mediante desconto no vencimento ou salário do condenado, assim como o parcelamento em prestações sucessivas, de modo excepcional normatizado no art. 50 CP:

Art.50. “A multa deve ser paga dentro de dez dias depois de transitada e julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais”.

§ 1º A cobrança da multa pode efetuar-se mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando:
a) aplicada isoladamente;
b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos;
c) concedida a suspensão condicional da pena.

§ 2º O desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e da família.

Depois do trânsito e julgado da sentença condenatória é cabível correção monetária determinadas pelos índices estabelecidos para toda e qualquer dívida ativa da fazenda pública.
O pagamento da multa não é em caráter restitutivo do réu para com a vítima, o efeito que se pretende tanto na pena de multa como nas outras, é uma punição coerente para uma conduta ilícita, agregado de um cumprimento penal que não desonra o apenado. Portanto as multas estabelecidas pelo judiciário nas sanções penais têm como destino o fundo penitenciário para a manutenção e melhoria dos estabelecimentos prisionais.

MULTA SUBSTITUTIVA

Segundo Jair Leonardo Lopes:

“O Código Penal previa a substituição somente quando a pena privativa de liberdade aplicada não fosse superior a seis meses (art. 60, § 2º). Agora a substituição por multa isolada passa a ser admitida se a pena for igual ou inferior a um ano (1ª parte do §2º do art. 44).”[3]

A multa substitutiva consiste na alteração da pena privativa de liberdade para uma pena de multa, substituindo o cárcere por pena pecuniária. O art. 44, §2º diz:

Art. 44 “As penas restritivas de direito...”.

§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direito.

A multa substitutiva, incorpora a pena de multa ante as privativas de liberdade, para condenação até um ano. Superior a um ano, pode-se substituir as penas pelas privativas de direitos cominadas com multa ou duas privativas de direito.

COMINAÇÃO

A alteração no texto da Parte Especial, para compatibiliza-la com a nova Parte Geral foi precisamente na cominação de pena de multa, sendo excluídos os quantitativos - devendo-se ler apenas multa, onde se lia multa de - Os limites da multa observarão o art. 49, e a fixação, principalmente o art. 60. Quanto à cominação disserta Jair Leonardo Lopes:

“A pena de multa, além de poder ser imposta com a pena privativa de liberdade, quando com esta estiver prevista nas cominações legais cumulativas, pode, também, ser aplicada isoladamente, quando a cominação legal for alternativa e o juiz fizer opção por ela.”[4]

A cominação conjuga mais de uma pena em uma única conduta típica, no caso da pena de multa, esta pode ser aplicada com as penas restritivas de direitos; no que tange a cominação com as penas restritivas de liberdade, é necessário previsão legal para aplicação da pena. A cominação isolada, também necessita de previsão legal, sendo alternativa de opção do juiz. Já a cominação alternativa das penas depende somente da interpretação normativa do juiz ao caso concreto e suas nuances, para determinar o tipo de pena a ser aplicada ao condenado.


O STJ em sua súmula 171 ressalta:

“Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de liberdade e pecuniárias, é defeso à substituição da prisão por multa”

O Supremo Tribunal de Justiça pacifica o entendimento que na cumulação de penas privativas de liberdade com penas de multa é defeso a substituição da privação à liberdade por multa. Entretanto deve o juiz ao arbitrar a sentença avaliar todos os critérios de fixação de pena, como os agravantes, reincidências e os elementos subjetivos do agente, para que a pena não seja passível de entendimento desfavorável à sociedade contemplando o agente do ilícito – condenado – de forma diminuta à necessária.

PENA DE MULTA X PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA

As penas incidentes sobre o patrimônio, denominamos patrimoniais; quando impostas em dinheiro, pecuniárias. Assim a pena de multa é uma pena patrimonial com caráter pecuniário. O pagamento de quantia em moeda corrente ao cumprimento de uma pena, enseja uma prestação pecuniária. Se a multa comportasse outro pagamento, como por exemplo serviço comunitário, não incidiria sobre o patrimônio e conseguinte não seria uma prestação pecuniária.

SUPERVENIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL

Perdendo o condenado a capacidade mental, ou seja, as condições de titular de seus direitos e de obrigações no âmbito do Direito Penal pela superveniência de doença mental, não podem ser executadas quaisquer sanções penais, estendendo-se a pena de multa, que por conseqüência fica suspensa.

DESCUMPRIMENO DA PENA E MULTA – DIFERENÇAS ENTRE 1984 E 1996

O não cumprimento da pena de multa na Lei de 1984 admitia a conversibilidade da multa em detenção. Contudo, ressaltamos que a multa aos olhos da lei é uma dívida de valor - aplica-se às normas da legislação referente à Dívida Ativa da Fazenda Pública - inclusive no que concerne às interrupções, suspensões e prescrições. Não há como alterar a aplicação da pena, se esta modificou a forma de quitação penal. Multa não se converte em reclusão. Os legisladores buscaram na regressão do regime penal uma forma de converter a pena de multa em reclusão. Porém, depois de transitado em julgado, a competência de execução da pena passa a ser da Fazenda Pública, onde se faz cumprir as sanções com penas pecuniárias. A prescrição da multa está positivada no art. 114 do CP:

Art. 114 “A prescrição da pena de multa ocorrerá:
I – em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada
II – no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.”

A redação do inciso II foi determinada pela Lei nº 9268 de 1º de abril de 1996.

CONCLUSÃO

O instituto da pena de multa ou pecuniária é um dispositivo legal utilizado desde o século VII antes de Cristo, assim sua evolução foi necessária para adequar a pena aos conceitos posteriores que o Direito abordou sobre a humanização da pena. A compesatio mali cum malo não se justifica, sendo um resquício da Pena de Talião. O modus faciendi da pena tem evoluído no sentido da brandura e da proporção, são estas características próprias do Direito Penal Moderno. Os direitos e garantias fundamentais incluídos no rol do art. 5º da Constituição Federal, somado ao seu Preâmbulo, são diretrizes de comportamento, onde toda e qualquer pena deve se emoldurar juridicamente.
A pena de multa ou pecuniária sob esta visão incorpora os elementos fundamentais para um sistema retributivo pautado na dignidade do cidadão. A inclusão de condenados ao sistema penal de forma desproporcional pode acarretar numa desvirtuação da função penal.
Apenar o condenado com multa pecuniária é retirar proporcionalmente sua autonomia de convívio social, uma vez que a prestação a ser deve restringir ou alterar seu modus vivendi. A pena de multa proporciona ao condenado e sua família – sempre que uma pena é aplicada a um condenado, a família sofre os impactos conjuntamente – uma impossibilidade de degradação e desonra. Sua privação é certa, alguns se habituam ao cárcere, porém ninguém se habitua a apagar multas.
Umas das características ímpares da pena de multa é a restituição da pena caso se comprove erro judiciário; como também evita gastos ao Estado e constitui forma de renda para a manutenção dos estabelecimentos carcerários.
Pelos inúmeros benefícios que a pena de multa traz ao Estado e ao Cidadão, considerando que sua execução penal é aplicada por meio digno e eficaz, consideramos que a Pena de Multa é um desvio às carências do sistema penitenciários, que atualmente só ignoram a condição do apenado, tratando-os como animais, ou pior que isso. Devemos no entanto entender que nem todos podem gozar de tal benefício, os elementos definidores estão normatizados; os ilícitos cujo ordenamento jurídico não permite o privilégio da pena de multa, são via de regra aqueles que de alguma forma atentaram a algum bem jurídico de forma intensa. Não havendo o que se discutir sobre a detenção imediata.
É imperativo reforçar que a pena de multa é também uma forma de execução penal e não um acessório ou atenuante ao cumprimento de determinada conduta típica. A pena pecuniária incide coerção como qualquer outra pena, não existindo distinção quanto sua classificação. Às vezes, retirar legalmente uma parcela do patrimônio do cidadão é mais eficaz que encarcerá-lo por pouco tempo.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei Nº 2.848 de 7 de Dezembro de 1940, Publicado no Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 1940, retificado em 3 de janeiro de 1941. ed: Saraiva, 2007

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União nº191-A, de 5 de outubro de 1988. ed: Saraiva, 2007

BRASIL. Lei nº 7209 de 11 de julho de 1984. Publicada no Diário Oficial da União de 13 de julho de 1984. ed: Saraiva, 2007

BRASIL. Lei nº 9268/96. Publicada no Diário Oficial da União. ed: Saraiva, 2007

BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, Parte Geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Revistas dos Tribunais, 1999.

LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. revis. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais , 2005.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 6. ed. revis. atual. e ampli. São Paulo: RT, 2008. v.1.









[1] PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 6. ed. revis. atual. e ampli. São Paulo: RT, 2008. v.1.
[2] PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 6. ed. revis. atual. e ampli. São Paulo: RT, 2008. v.1.
[3] LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. revis. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais , 2005.
[4] LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. revis. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais , 2005.